Definição
O termo happening é criado no fim dos anos 1950 pelo
americano Allan Kaprow para designar uma forma de arte que combina artes
visuais e um teatro sui generis, sem texto nem representação. Nos espetáculos,
distintos materiais e elementos são orquestrados de forma a aproximar o
espectador, fazendo-o participar da cena proposta pelo artista (nesse sentido,
o happening se distingue da performance, na qual não há participação do
público). Os eventos apresentam estrutura flexível, sem começo, meio e fim. As
improvisações conduzem a cena - ritmada pelas ideias de acaso e espontaneidade
- em contextos variados como ruas, antigos lofts, lojas vazias e outros. O
happening ocorre em tempo real, como o teatro e a ópera, mas recusa as
convenções artísticas. Não há enredo, apenas palavras sem sentido literal,
assim como não há separação entre o público e o espetáculo. Do mesmo modo, os
"atores" não são profissionais, mas pessoas comuns.
O happening é gerado na ação e, como tal, não pode ser
reproduzido. Seu modelo primeiro são as rotinas e, com isso, ele borra
deliberadamente as fronteiras entre arte e vida. Nos termos de Kaprow:
"Temas, materiais, ações, e associações que eles evocam devem ser
retirados de qualquer lugar menos das artes, seus derivados e meios". Uma
"nova arte concreta", propõe o artista, no lugar da antiga arte
concreta abstrata, enraizada na experiência, na prática e na vida ordinária,
matérias-primas do fazer artístico. De acordo com Kaprow, os happenings são um
desdobramento das assemblages e da arte ambiental, mas ultrapassa-as pela
introdução do movimento e por seu caráter de síntese, espécie de arte total em
que se encontram reunidas diferentes modalidades artísticas - pintura, dança,
teatro, música. A filosofia de John Dewey, sobretudo suas reflexões sobre arte
e experiência, o zen-budismo, o trabalho experimental do músico John Cage,
assim como a action painting do pintor americano Jackson Pollock são matrizes
fundamentais para a concepção de happening.
Cage é o responsável pelo Theater Piece # 1, ou simplesmente
"o evento", realizado no Black Mountain College, na Carolina do
Norte, Estados Unidos, em 1952, considerado o primeiro happening da história da
arte. No espetáculo, M. C. Richards e o poeta Charles Olson lêem poemas nas
escadas enquanto David Tudor improvisa ao piano e Merce Cunningham dança em
meio à audiência. Pendurada, uma white painting de Robert Rauschenberg, uma
velha vitrola toca discos de Edith Piaf. Café é servido por quatro rapazes de
branco. Cage, sentado, lê um texto que relaciona música e zen-budismo, algumas
vezes em voz alta, outras, em silêncio. O espetáculo apela simultaneamente aos
sentidos da visão, audição, olfato, paladar e tato, e, além disso, envolve os
artistas mencionados e outros participantes, que interferem, aleatoriamente, na
cena. Kaprow inspira-se no evento de Cage na concepção de seu primeiro
espetáculo, 18 Happenings in 6 Parts, em 1958. O músico é um de seus mestres,
sobretudo suas ideias de acaso e indeterminação na arte.
Se o nome de Kaprow associa-se diretamente ao happening,
tendo realizado uma infinidade deles - Garage Environment, 1960, An Apple
Shrine, 1960, Chicken, 1962, entre outros -, é preciso lembrar que, nos Estados
Unidos, artistas como Jim Dine, Claes Oldenburg, Rauschenberg e Roy
Lichtenstein também realizaram diversos happenings. À lista deve ser
acrescentado ainda o nome do artista lituano Georges Maciunas, radicado nos
Estados Unidos, e o movimento Fluxus, por ele concebido e batizado por ocasião
do Festival Internacional de Música Nova, em Wiesbaden, Alemanha, em 1962. O
termo - do latim, fluxu "movimento" -, originalmente criado para dar
título a uma publicação de arte de vanguarda, passa a caracterizar uma série de
performances organizadas por Maciunas na Europa, entre 1961 e 1963.
Aderem às propostas do Fluxus, entre outros, o músico e
artista multimídia Naum June Paik, e o alemão Joseph Beuys. As performances
concebidas por Beuys - que ele prefere chamar de ações, evitando os nomes
happening ou performance - na Alemanha se particularizam pelas conexões que
estabelecem com um universo mitológico, mágico e espiritual. Nelas chamam
atenção o uso frequente de animais - por exemplo, as lebres em The Chief -
Fluxus Chant, Copenhagen, 1963 -, a ênfase nas ações que conferem sentidos aos
objetos e o uso de sons e ruídos de todos os tipos, num apelo às experiências
anteriores à linguagem articulada e ao reino dos instintos, que os animais
representam. Ainda em solo europeu, é possível lembrar performances realizadas
nos anos 1960, por Yves Klein, na França, e, na trilha da arte povera italiana,
os nomes de Jannis Kounellis e Vettor Pisani. No Japão, os happenings adquirem
soluções novas com o Grupo Gutai de Osaka, que entre 1954 a 1972 reúne Jiro
Yoshihara e mais quinze artistas.
No Brasil, Flávio de Carvalho é um pioneiro da performance,
realiza várias a partir de meados dos anos 1950 - por exemplo, a relatada no
livro Experiência nº 2. O Grupo Rex, criado em São Paulo por Wesley Duke Lee,
Nelson Leirner, Carlos Fajardo, José Resende, Frederico Nasser, entre outros,
também realiza uma série de happenings, como o concebido por Wesley Duke Lee,
em 1963, no João Sebastião Bar. O Grande Espetáculo das Artes, como é chamado o
evento, tem origem na irritação do artista por não conseguir expor a série
Ligas, considerada excessivamente erótica. O happening tem como eixo uma
atitude de rechaço à crítica e às galerias de arte. O chamado neo-realismo
carioca - Antonio Dias, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Pedro Escosteguy e
Roberto Magalhães - envolve-se com o espetáculo e exposição coletiva PARE, em
1966. O evento, comandado pelo crítico Mário Pedrosa e inspirado nos programas
de auditório do Chacrinha, é considerado por certos comentaristas como o
primeiro happening no Brasil. Da década de 1980, devem ser mencionadas as
Eletro-performances, espetáculos multimídia concebidos por Guto Lacaz.
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